CINE PSYCHOFIELD - MARRIAGE STORY



Por Silvio Tavares


Título: Marriage Story
Data de lançamento: 29 de agosto de 2019
Direção: Noah Baumbach
Elenco: Scarlett Johansson, Adam Driver, Laura Dern (…)
Nota: 8.0 (em 10)

Há um momento do filme de Noah Baumbach em que Nicole, personagem interpretada por Scarlett Johansson, relata à sua feroz advogada Nora Fanshaw os valores corrompidos, por sua perspectiva, que abalaram a relação ao ponto de resultarem na inevitável separação, apesar do amor envolvido e nos problemas advindos de tal atitude.

Neste ponto uma escolha importante da câmera-testemunha é realizada: Nicole narra os acontecimentos. Não há cenas sobre o que diz. Portanto, seu ponto de vista instiga a imaginação do público, não a participação nos eventos, o que o induziria a um julgamento mais robusto, mesmo sabendo da parcialidade da visão apresentada. Essa distanciação serve muito bem à história, pois permite ao espectador auferir sua própria análise, ainda que apenas diante dos fatos que confidencia considerar importantes.

História de um Casamento (disponível na Netflix há algumas semanas) é um olhar de peculiar sensibilidade sobre um árduo processo de divórcio entre a atriz Nicole (Johansson) e o diretor de cinema Charlie (Adam Driver) considerando os impactos sobre a guarda do filho e, principalmente, os embates emocionais envolvidos.

Embora não haja novidade na temática para além das estonteantes performances da dupla de protagonistas, chamo aqui a atenção do leitor para um detalhe: em geral, dificilmente o encantamento de um filme está na originalidade da história, mas no modo de contá-la, na magia ou na criatividade em transmitir sentimento ou ideias por meio das ferramentas da linguagem cinematográfica. Por isso iniciei o texto falando em uma escolha. O conjunto delas altera completamente nossa percepção de uma história e pode gerar um resultado bem diferente.



Não é à toa que o processo de libertação do sufocamento da voz da atriz, cuja oportunidade na direção prometida pelo marido jamais emerge, encontra realização plena paralelamente ao divórcio. Pois o protagonismo que lhe era ofuscado, e observava empalidecer, cada vez mais era reflexo de sua situação de opacidade familiar ao seu ver, o papel à sombra do marido.

E então, Charlie. Introspectivo, brincalhão, workaholic, a relação com a esposa e seus problemas se descortinam aos poucos, como sua personalidade requer, sem o caráter excessivamente invasivo, incoerente com o personagem. O cuidado necessário para que, antes de julgar Charlie, conheçamos Charlie, suas limitações e virtudes, os papéis que ele desempenha diariamente.

E finalmente o “personagem” mais agressivo: o mundo. Incorporado na história através da expectativa dos advogados em vencer a causa (e da ebulição das emoções manipuladas por eles) e da dinâmica legal da separação (guarda compartilhada, escola, pensão, moradia, etc), o casal se defronta com a incorporação de eventos que distorcem a separação amigável planejada.

Das estratégias de pura vaidade dos advogados, que veem nos clientes projeção de sucesso e imagem ignorando completamente o casal enquanto indivíduos, até questões verdadeiramente procedentes e não pensadas (onde seria realmente melhor a criança viver?), o mundo, essa entidade não concreta e de difícil assimilação, certamente corresponde ao mais cruel e vilanesco dos elementos do filme.

As nuances e sutilezas de História de um Casamento certamente renderão indicações ao Oscar, especialmente quanto às ótimas atuações da dupla central. Belíssima produção, não deixe de conferir.



Comentários

  1. Outro ótimo texto, Silvio. Tomara que o filme chegue perto dele, pois ainda não o vi, mas sua matéria deixou esta vontade. Abraço!

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